quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Alguns referenciais para a formação do cidadão produtivo brasileiro

Fernando César Franco (fernandocf@uit.br)
João Martins da Silva (joaotqm@gmail.com)

Resumo
Este artigo analisa os seguintes referenciais como fonte de inspiração para a formação do cidadão produtivo brasileiro: o conceito de paideia, proveniente da Grécia Antiga; os conceitos de temperamento e caráter, na sua visão clássica; o cristianismo, como principal fonte de inspiração ética para os brasileiros, considerado quanto aos seus aspectos universais; além do próprio conceito de cidadão produtivo. Assume-se que esse tipo de reflexão torna-se urgente tendo em vista o quadro de degeneração ética vigente no Brasil. Espera-se, assim, contribuir para a própria formação do engenheiro de produção como líder da construção de sistemas produtivos que estejam de acordo com a natureza humana sadia, respeitando-se as peculiaridades culturais positivas brasileiras.
Palavras-chave: caráter, educação, produtividade, temperamento

1. Introdução
A história da humanidade é, sob vários aspectos, a história da evolução cultural do homem. Francis Bacon opinou que, até o seu tempo, os homens tinham usado de maneira pouco sistemática a inteligência para criar suas condições de existência. Ele propôs o empreendimento científico sistemático como forma de se descobrirem as leis da natureza e usá-las em benefício do ser humano. Suas idéias giraram em torno da revolução científica a partir do método, tendo sido consolidadas de forma independente por Descartes, Galileu Galilei e Newton, cabendo ao engenheiro Frederick Taylor propor e aplicar tais idéias na produção, em paralelo e em cooperação com Henry Ford, entre outros grandes homens de visão.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, esse modelo foi consolidado pelo Sistema Toyota de Produção, de forma simultânea e em parceria com a JUSE – Associação dos Cientistas e Engenheiros Japoneses que, em conjunto, consolidaram a idéia da Qualidade Total como princípio orientador de sistemas de produção holísticos, promovendo-se a interpenetração entre valores humanistas e o método científico. Essa constatação remonta-nos a alguns momentos da história em que, embora o método não tivesse sido destacado, ele era praticado tacitamente, porém com ênfase explícita em valores condutores da ação humana, hoje relegados a segundo plano, especialmente tendo em vista a hipercompetição em curso.

Como resultado da reflexão feita, os autores concluem positivamente pela possibilidade de influenciar a formação do cidadão produtivo brasileiro em larga escala, desde que haja uma rede de líderes preparada para tal tarefa. O pressuposto é que os engenheiros de produção estão numa situação muito especial para assumir a liderança de sistemas produtivos lastreados pela ética universal, porém aplicada de forma concreta levando-se em consideração as peculiaridades culturais brasileiras. Comece-se por uma breve revisão do conceito de paideia.

2. Paideia: a formação do homem integral na Grécia Antiga
Paideia é o termo que se consolidou na Grécia Antiga para caracterizar a formação do homem integral. Segundo Jaeger (1936), a palavra paideia tinha o simples significado de “criação dos meninos”, em nada semelhante ao elevado sentido que mais tarde adquiriu e que é o único que nos interessa aqui. O conceito de paideia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga para além dos anos escolares, ou seja, para a vida toda. No plano social, o objetivo da paideia era desenvolver os talentos e potenciais do educando junto aos seus semelhantes, aprendendo a ser, a conviver e a respeitar o mundo ao redor.

Os gregos afirmavam que a educação não era propriedade de um só indivíduo, mas pertencia, por essência, à comunidade. À comunicação de conhecimentos e aptidões profissionais na medida em que são transmissíveis, os gregos deram o nome de techne (JAEGER, 1936). O tema essencial da educação grega é antes o conceito de arete, que remonta aos tempos mais antigos. Não existe na língua portuguesa um equivalente exato para este termo, mas a palavra virtude na sua acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto ideal cavalheiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro, talvez pudesse exprimir o sentido da palavra grega. Tanto em Homero como nos séculos posteriores, o conceito de arete é freqüentemente usado no seu sentido mais amplo, isto é, não só para designar a excelência humana, como também a superioridade de seres não humanos, como a força dos deuses ou a coragem e rapidez dos cavalos de raça (JAEGER, 1936).

Como se vê, a essência da paideia, trazendo-se o conceito para a situação atual - e tendo em vista o escopo deste artigo - é a formação do cidadão produtivo, servindo também para a construção de cenários sustentáveis e de um país melhor para se viver e trabalhar. Contudo, é preciso ter em mente que o ser humano chega ao mundo com determinado temperamento, herdado geneticamente, e que o seu caráter é formado pela educação, esta tomada em sentido amplo. Reflita-se, portanto, sobre o temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta humana.

3. O temperamento e o caráter como fatores determinantes da conduta humana
A discussão que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois argumentos causais: de um lado existe o livre arbítrio do indivíduo, que implica a eventual punibilidade de seus atos, de outro lado, a constituição biológica, considerada como uma fatalidade orgânica que empurra a pessoa a agir dessa ou daquela maneira. Pode-se representar essa diferença a partir de conceituações referentes ao que é chamado de temperamento e caráter. Aparentemente, a teoria mais antiga sobre o temperamento, e que ainda hoje tem os seus adeptos, foi criada há 2.500 anos por Empédocles (Quadro 1).

O temperamento não seria imutável, podendo ser modificado dentro de certos limites através de influências médicas, cirúrgicas, de nutrição, assim como no desenrolar da aprendizagem e das experiências de vida. Allport (1966) assim definiu o termo:

O temperamento refere-se aos fenômenos característicos da natureza emocional de um indivíduo, na qual se incluem sua suscetibilidade à estimulação, a intensidade e a rapidez usuais de resposta, a qualidade de sua disposição predominante, e todas as peculiaridades de flutuação e intensidade de disposição, sendo que tais fenômenos são vistos como dependentes da organização constitucional e, portanto, como em grande parte originários da hereditariedade.

O termo caráter origina-se do grego “kharasseín” ou “kharakter” significando, respectivamente, gravação e marca. Allport (1966) conceitua o caráter como a marca de um homem – seu padrão de traços ou seu estilo de vida. Argumenta que o termo adquiriu uma conotação específica, alheia ao seu sentido original de gravação, pois quando se ouve dizer que um homem tem “bom caráter”, faz-se referência às suas qualidades morais, tendendo a supor um padrão moral e a fazer um julgamento de valor.

O caráter, embora se consolide na infância e na juventude, pode ser modificado ao longo da existência. Influenciado pelo ambiente, sua formação dá-se a partir do contexto em que se vive, podendo englobar a condição social, ambiente familiar, educação e outros aspectos importantes. Percebe-se aí o desenvolvimento, um aprendizado social que se dá em contato com outros indivíduos. É por meio do caráter que a personalidade e o temperamento do indivíduo se manifestam. Portanto, conhecer o caráter de uma pessoa significa conhecer os traços essenciais que determinam o conjunto de seus atos. Sendo assim, torna-se importante partir de referenciais para a sua consolidação. No caso do Brasil, o referencial principal é o cristianismo, assim como no Japão os referenciais seriam o budismo, o confucionismo, o xintoísmo e o bushido – o código de ética dos samurais.

4. O caráter do homem cristão
Segundo o censo do ano 2000 (IBGE), 150 milhões de brasileiros se declararam cristãos. O cristão vê como essencial ao caráter um estilo de vida, um padrão que seja pleno de expectativas e que o conduza à prática de virtudes. Conforme acesso ao sítio do Vaticano (), conclui-se que a Igreja Católica consolidou no catecismo as virtudes que julga essenciais ao desenvolvimento do caráter cristão. Sob a perspectiva dos cristãos reformados, o único documento reconhecido como fonte segura para orientar o desenvolvimento do caráter é a própria Bíblia Sagrada, embora também usem alguns documentos secundários como apoio á educação cristã.

Alguns autores argumentam que a ética e as idéias surgidas no seio da reforma protestante do cristianismo influenciaram o desenvolvimento econômico de suas sociedades. A Reforma Protestante teria prosseguido enfatizando a prática das virtudes como uma forma de imprimir valores nas pessoas. Suas escolas eram voltadas para estudos técnicos, visando também a ocupações comerciais e industriais. Já os estudos católicos estavam altamente orientados a uma espécie de aprendizagem fornecida pelo ginásio humanístico. Comparando as atitudes entre católicos e protestantes, Weber (2000) fez a seguinte ponderação:

A partir de uma análise superficial, e na base de certas impressões cotidianas, poder-se-ia ser tentado definir a diferença da seguinte maneira: o maior “alheamento do mundo” do catolicismo, os traços ascéticos dos seus mais altos ideais, levaram seus seguidores a uma maior indiferença frente aos bens desse mundo. Esta constatação corresponde, aliás, aos esquemas populares de julgamento de ambas as religiões. Do lado protestante, essa concepção é usada para a crítica daqueles (verdadeiros ou supostos) ideais ascéticos do modo de viver católico, ao passo que os católicos a isso respondem com uma crítica ao “materialismo” resultante da secularização de todos os ideais pelo protestantismo. Um autor contemporâneo tentou equacionar a diferença das duas atitudes para com a vida econômica da seguinte maneira: “O católico é mais tranqüilo, tem menos impulso aquisitivo; prefere uma vida, a mais segura possível, mesmo que isto implique em uma renda menor, à uma vida arriscada e cheia de excitação, mesmo que essa torne possível a obtenção de honrarias e riquezas. Isso é comprovado de maneira irônica pelo provérbio “coma ou durma bem”. No presente caso, o protestante prefere saciar-se, e o católico dormir sem ser perturbado”.

Em relação à ética cristã, estudiosos das escrituras sagradas afirmam ser difícil encontrar unanimidade ou independência de julgamento, devido às várias correntes filosóficas e religiosas que interpretaram os conceitos encontrados no Novo Testamento. O´Connell (1976) cita esta diversidade como a seguir:

Há um ecleticismo que caracteriza a ética do Novo Testamento. Os provérbios dos sábios, as éticas dos filósofos estóicos, os padrões éticos contemporâneos, o ensino dos rabinos, o catecismo judeu, os textos da Bíblia, e o bom senso dos autores: cada um contribui para o conteúdo ético do Novo Testamento. O resultado é que há abertura e pluralismo na ética do Novo Testamento. Conseqüentemente, não é fácil nem legítimo reduzir os ensinos éticos do Novo Testamento a uma simples visão ética.

O cristianismo, nas suas várias versões, é a principal fonte de valores capaz de influenciar a conformação do caráter no Brasil. Os autores acreditam que, mesmo quando se analisa a questão sob a perspectiva secular, percebe-se a existência de uma correspondência, e até mesmo uma justificativa para os valores que foram assimilados pela Constituição Brasileira como base para a formação do cidadão produtivo, conceito que será visto a seguir.

5. O conceito de cidadão produtivo
O cidadão produtivo constitui-se elemento-chave do sistema produtivo capitalista, sendo que o trabalho é uma forma recente (em torno de dois séculos) de conceber a relação à atividade laboral. Não cabe aqui uma discussão sobre trabalho formal versus informal ou mesmo sobre empregabilidade, mas sobre o caráter produtivo, associando fundamentos da cidadania e da atividade produtiva, objetivando vida melhor para todos, através de melhorias em práticas, valores, e características dos indivíduos.

Toro (1997) fez considerações em relação à ótica convencional que é empregada quando há referências ao termo produtividade, dizendo que, embora a produtividade seja tradicionalmente tratada sob o ponto de vista da economia e da produção, pode-se definir uma sociedade produtiva não apenas como aquela que tem empresas que produzam mais bens e serviços a preços competitivos, mas como a que produz racional e adequadamente os bens e serviços, possibilitando uma vida digna para todos. Sob esse ponto de vista, toda a sociedade deve ser produtiva, e não apenas alguns indivíduos e organizações. Essa definição de produtividade está além da idéia da produção de dinheiro, cujo custo pode ser a pobreza, a miséria de muitos e a degradação do meio-ambiente. A produtividade trata da produção de riqueza para o benefício de toda a sociedade e de suas futuras gerações, porém uma sociedade não será rica se essa riqueza estiver ao alcance de poucas pessoas.

Voltando a atenção para a prática dos indivíduos sob um conceito histórico, percebe-se que a atividade humana tem sido objeto de estudos em várias áreas do conhecimento. Verifica-se que o homem, visando à satisfação de suas necessidades, tem se expressado através de atividades vitais de produção, sejam elas a caça, a coleta de alimentos, a prática de atividades agropastoris, comerciais, artísticas, esportivas, industriais, militares, religiosas ou de serviços. Marx (2004) considera que a essência do homem está na sua atividade produtiva. De acordo com a sua concepção, entre todos os seres, o ser humano é o que foi destinado a trabalhar e arrancar da natureza o necessário para que ele possa existir, produzindo suas condições materiais de vida. Estando a essência nessa capacidade transformadora, as representações, os conceitos e as idéias são produtos da atividade humana de acordo com o modo como é organizada a atividade produtiva.

Operando transformações através da atividade racional, o homem também acrescenta algo ao valor do objeto transformado. Essa visão teve suas primeiras referências na obra intitulada “A Riqueza das Nações”, um marco da literatura econômica. Escrita por Adam Smith, dividia o trabalho em dois tipos: o produtivo e o improdutivo (SMITH, 1985):

Existe um tipo de trabalho que acrescenta algo ao valor do objeto sobre o qual é aplicado; e existe outro tipo, que não tem tal efeito. O primeiro, pelo fato de produzir um valor, pode ser denominado produtivo; o segundo, trabalho improdutivo. Assim, o trabalho de um manufator geralmente acrescenta algo ao valor dos materiais com que trabalha: o de sua própria manutenção e do lucro de seu patrão. Ao contrário, o trabalho de um criado doméstico não acrescenta valor algum a nada. Embora o manufator tenha seus salários adiantados pelo seu patrão, na realidade ele não custa nenhuma despesa ao patrão, já que o valor dos salários geralmente é reposto juntamente com um lucro, na forma de um maior valor do objeto no qual seu trabalho é aplicado. Ao contrário, a despesa de manutenção de um criado doméstico nunca é reposta. Uma pessoa enriquece empregando muitos operários, e empobrece mantendo muitos criados domésticos.

As três principais visões sobre o ser humano em relação às quais foram elaboradas teorias que servem como fontes para se compreender o caráter humano são: a visão psicanalítica, cujo principal representante é Sigmund Freud; a visão comportamentalista (também chamada de behaviorista), cujo principal representante é Skinner; e a visão humanista, cujo principal representante escolhido para os objetivos deste artigo é Erich Fromm, embora existam outros como Abraham Maslow e Carl Rogers. Aparentemente, todas as abordagens prestam algum tributo a Freud, razão pela qual será feita breve menção à sua visão. Para ele, o desenvolvimento da civilização se resume ao crescimento do indivíduo.

A interpretação freudiana trata o processo civilizatório como um confronto entre o desejo de viver – o instinto de vida (Eros) e o desejo de morrer – o instinto de morte (Thanatos). A atividade produtiva pode ser percebida a partir de sua obra intitulada O Mal Estar na Civilização, onde afirma (FREUD, 1974):

A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente escolhida, isto é, se, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos instintivos persistentes ou constitucionalmente reforçados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem em relação a outras possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sob a pressão da necessidade, e essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis.

O ideal da ética humanista e os projetos que visam ao desenvolvimento de um homem e de uma sociedade melhores, podem ser discutidos a partir de análises sobre o caráter produtivo. A produção, como condição primordial para sua sobrevivência serve, unicamente, como um símbolo para expressar a idéia de produtividade como integrante do caráter. Fromm demonstra tipos ideais de caráter, concepções que ele diz serem orientações improdutivas e orientação produtiva. Um indivíduo pode possuir traços de todas as orientações de caráter, mas uma delas pode tornar-se tão forte que a própria identidade do indivíduo passa a ser reconhecida por essa orientação. Fromm (1981) diz que:

A orientação produtiva da personalidade refere-se a uma atitude fundamental, um modo de relacionamento em todos os setores da experiência humana. Abrange reações mentais, emocionais e sensoriais aos outros, a si mesmo e aos objetos. A produtividade é a capacidade do homem para usar suas forças e para realizar as potencialidades a ele inerentes. Se dizemos que ele tem de usar suas forças subentendemos que é livre e não dependente de alguém que controle essas suas forças. Subentendemos, ademais, que é guiado por sua razão, porquanto só poderá usar suas forças se as conhecer, souber como usá-las e para que usá-las. A produtividade significa que ele se experimenta a si mesmo como a corporificação de suas forças e, ao mesmo tempo, que estas não estão escondidas e alienadas dele.

As orientações improdutivas são divididas em: receptiva, exploradora, acumulativa e mercantil. A orientação receptiva diz respeito a um indivíduo que deseja sempre receber algo de uma fonte exterior, seja relacionado à matéria, à afetividade, ao amor, ao prazer ou ao conhecimento. O auxílio das pessoas é primordial para que realize algo, e isso demonstra a sua dificuldade em um processo em que seja necessário assumir responsabilidades e tomar decisões.

A orientação exploradora tem a idéia básica de que o indivíduo é incapaz de produzir algo com qualidade, sendo todo o bem necessário proveniente de terceiros. O indivíduo não espera receber algo dos outros e sim tomá-lo, utilizando a força ou a astúcia. Sob a forma de idéias, utiliza-se de plágios e cópias. Sob a forma de bens materiais, acha que deve tirar dos outros o que estes têm.

A orientação acumulativa é caracterizada pela falta de fé nas situações vindouras e por uma busca contínua de segurança. Para isso, o indivíduo procura se concentrar na acumulação e na poupança, buscando sempre o máximo para si mesmo. Conhecemo-lo por avarento, seja por bens materiais, por idéias ou mesmo por sentimentos. Enxergam o processo criativo como um milagre; sua idéia em relação à fonte que possui é a de que ela é esgotável, por isso dão mais ênfase à morte e à destruição, ao invés de valorizarem a vida e o crescimento.

Na orientação do caráter do tipo mercantil o indivíduo é altamente dependente da aceitação pessoal pelas pessoas que precisam de seus serviços ou que os empregam. O sucesso é determinado pela capacidade que o indivíduo tem de se apresentar ao mercado, impressionando os outros, fortalecendo sua rede social de acordo com a conveniência. Não é preciso ter a competência necessária para executar tarefas, mas impressionar os outros com suas ações e posturas agressiva, jovial e ambiciosa, fazendo com que seja grande adepto de modismos. Ao invés de valorizar suas qualidades humanas, enfatiza sua valoração em termos de sucessos e fracassos e seu mundo se faz através de aparências e superficialidades.

Fromm (1970) faz referências, ainda, a dois tipos básicos de caracteres: necrófilos e biófilos. Os seres humanos possuem os dois tipos, um com mais dominância do que o outro. Os necrófilos amam o que é mecânico, tentam transformar o orgânico em inorgânico por meio de ordens, tratam as pessoas como coisas, são atraídos pela escuridão e pela noite, utilizam a força como meio de vida, a capacidade para transformar um homem num cadáver. Essa força pode destruir a vida, baseando no poder para matar. Os biófilos, por sua vez, são totalmente devotados à vida e à sua preservação, buscam atingir a mais elevada meta de que o homem é capaz. Sua orientação é orgânica, voltada para o amor, a razão, a inovação e para o crescimento integrado e estruturado.

Entre os analistas da condição humana destacam-se alguns que, embora não tenham se dedicado a essa tarefa de forma profissional, foram e ainda são muito respeitados. Entre eles cita-se Benjamin Franklin. Esse patriarca da independência norte-americana, um ativo homem de ciência cujo caráter se revelava como eminentemente prático, via o trabalho como instrumento para a formação do caráter dos indivíduos (WESEP, 1960):

Para Franklin, ganhar dinheiro não constituía um fim em si, e, portanto não era coisa capaz de o levar a desprezar a formação do caráter. Tinha plena consciência de que essa formação exige em larga medida a consolidação do hábito e muito trabalho. Em sua opinião, mais valia ter um emprego ou um negócio do que uma fortuna, porque aqueles contribuíam para formar o caráter e conferir a independência individual.

Segundo Wesep (1960), uma das preocupações fundamentais de Franklin era transformar o mundo num lugar em que a vida fosse melhor. Na sua opinião, primeiro seria necessário encontrar uma coisa que obtenha resultados concretos: o pragmatismo; depois seria preciso usá-lo para fazer do mundo um lugar em que a vida seja melhor, e nisto consiste o meliorismo; em terceiro lugar, seria preciso que não se estabeleçam limites para estas possibilidades de melhoria, o que ele chamou de excelsiorismo.

6. Conclusão
Pelo exposto, conclui-se que o caráter do indivíduo pode ser aperfeiçoado ao longo de sua vida em um contexto dinâmico, permeado de aprendizado e virtudes, permitindo ao cidadão o uso de suas habilidades intelectuais sem perder de vista o ambiente de solidariedade humana. Tal observação possibilita dizer que o esforço das pessoas para a busca de resultados, sob condições apropriadas à saúde, se converte na melhoria das práticas, incorporando-se aos seus hábitos. Seguindo os conceitos de Franklin, é preciso integrar consistentemente este esforço ao pragmatismo e à expansão de limites para a melhoria contínua da atividade humana, rumo a excelência. O pragmatismo deve ser vista sob uma perspectiva sustentável e humanista ou até mesmo espiritualista, mas não na sua versão materialista, seja grosseira ou dialética. A excelência deve vislumbrar a realização do potencial das pessoas observando-se suas capacidades, crenças e limitações. Bens e serviços excelentes são resultados de operações de sistemas produtivos excelentes que, em sua totalidade, vão além do somatório da excelência individual de seus atores.

Constata-se a existência de bases sólidas para o desenvolvimento do potencial dos indivíduos que exercem suas atividades nas organizações, no governo e na sociedade brasileira. É necessário que as lideranças destas instituições utilizem de visão de longo prazo e da conscientização acerca da capacidade de geração de riqueza e adição de valor aos seus produtos e serviços. Isso consolida a necessidade de exaltar a criação e a transferência de conhecimentos, que de forma contínua e integrada formam ambientes colaborativos e solidários, exigindo para tal a formação de líderes que sejam cidadãos produtivos.

Percebe-se que o caráter produtivo do cidadão brasileiro pode e deve ser orientado e desenvolvido a partir do nível individual para o coletivo, assegurando, em ambiente de sustentabilidade, incrementos relacionados à qualidade de vida e aos índices de melhoria sócio-econômicos. A análise dos documentos permite concluir que, caso os indivíduos extraiam seus conceitos básicos, interpretando-os para a elevação da moral e da busca pela excelência humana, o cristianismo, na sua forma essencial e compatível com a ética padrão mundial, pode ser percebido como a fonte mais acessível e capaz de influenciar a formação do cidadão produtivo brasileiro.


Bibliografia
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WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 15ª Ed. São Paulo: Pioneira, 2000. 233 p.

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